quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O Mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes
Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?
E o homem do leme disse, tremendo:

El-Rei D. João Segundo!

De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.
Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
 
E o homem do leme tremeu, e disse:
El-Rei D. João Segundo!
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu
 
E disse no fim de tremer três vezes:
Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
 
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!
 
Fernando Pessoa in Mensagem

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