Um novo amigo da vela, feliz proprietário do ENALUS, um Jeanneau Fantasia que agora está em Leixões, e que teve a amabilidade de nos enviar o seguinte texto. Aqui vai!
Bem vindo e bons ventos!
O
meu barco Enalus
Quando comecei a pensar em comprar um
barco, comecei também a pensar no nome que lhe havia de dar. Ocorriam-me nomes
relacionados com a minha atividade, com as minhas origens, com os meus gostos,
mas, verdadeiramente, nunca encontrei um nome que me satisfizesse.
Foi então que comprei o Jeanneau
Fantasia em segunda mão. Tinha aprendido que se devia manter o nome do barco
que se comprava, porque o nome faz parte da sua personalidade. Só que... o
barco chamava-se "Dhama work"! Era um nome sem graça e se, de facto,
eu nem gosto muito de trabalho, foi pelo trabalho que pude comprar o barco,
pelo que aquele nome me parecia bastante inapropriado. Senti-me, por isso,
desobrigado de o manter.
Preparava-me para voltar à procura de
nomes, quando, no meio dos papéis do barco, descobri que, anteriormente, ele se
tinha chamado Enalus (ok, o barco não era em segunda mão, mas, pelo menos, em
terceira...). Fui tentar saber o que era Enalus e descobri que se tratava de um
herói da mitologia grega, pertencente à tribo dos Eólios, uma das quatro tribos
principais da Grécia antiga, assim chamada por ter sido fundada por Eolos. Só
por si, este nome remete para o deus grego dos ventos, embora, segundo a
maioria das interpretações, este Eolos não seja o mesmo que deu a Ulisses um
saco com todos os ventos (um presente que também me facilitaria a minha vida de
velejador, claro), mas o seu bisavô – ainda assim, é da família...
Enalus pertencia a uma seita dos
Eólios, os Pentelides, que partiram da Eolia (nome atual: Tessália) através do mar Egeu, para colonizar
a ilha de Lesbos, junto à costa da Ásia Menor. À partida, receberam um oráculo
que lhes ordenava que, quando chegassem a um lugar chamado Mesogeion, deviam
sacrificar um boi a Poseidon e uma virgem a Anfitrite e às ninfas do mar. Não
sei como escolheram o boi, mas para escolher a virgem, parece que foi
necessário tirar à sorte entre todas as mulheres solteiras do grupo. A
escolhida foi a filha de um homem chamado Seminteus. Acontece que Enalus estava
apaixonado por esta mulher, cujo nome a mitologia não fixou. Por isso, concebeu
um plano para a salvar ou morrer a tentar e, quando ela, solenemente vestida,
era preparada para o sacrifício, Enalus tomou-a nos seus braços e saltou com
ela para o mar. Logo nessa altura, gerou-se na população a crença de que ambos
se salvariam, o que se confirmou quando Enalus chegou a Lesbos e contou que
ambos tinham sido salvos com a ajuda de golfinhos, que os tinham trazido sãos e
salvos até terra.
O mito conta que, mais tarde, Enalus
voltaria a enfrentar o mar quando uma onda gigante aterrorizou toda a população
de Lesbos, tendo entrado no reino de Poseidon seguido por chocos (!), o maior
dos quais trouxe uma pedra quando regressou, com a qual Enalus terá construído
um templo.
Fiquei a gostar de Enalus, da sua
vontade de contrariar as probabilidades, da sua capacidade de se apaixonar e,
devo confessar, da sua capacidade de avançar sem um plano definido, dando
espaço ao improviso e à inspiração do momento.
Que melhor nome podia eu desejar para o
meu primeiro barco do que o dum herói quase desconhecido com esta história de
coragem no mar, que, ainda para mais, envolve golfinhos, esses simpáticos
animais, cujo avistamento constitui sempre um momento mágico para os
navegantes?
Decidi, pois, devolver ao barco o seu
primeiro nome e assim seguir o ensinamento de que, como as pessoas, os barcos
não mudam de nome.
29
de junho de 2012
João
Xavier